A Teoria dos Jogos explica matematicamente que a cooperação é sempre o melhor caminho, pois quando não agimos de forma a obtermos vantagens individualmente, todos saem ganhando. É entender que sua decisão não é independente, não irá gerar um efeito só para você, mas para toda a sociedade e que quando cooperamos buscamos o que é melhor para todos.
"Você está estacionando o carro e – crassshh! – amassa o pára-lama daquele reluzente BMW ao lado. Ninguém viu. Você, um cara decente, pensa em deixar um bilhete assumindo a responsabilidade. Mas, espera aí. É um BMW. O dono certamente tem dinheiro. E não estaria dirigindo um carro desses por aí se não tivesse seguro. Essa batidinha para ele não será nada. Já para você...
Ou, então: você está na estação do metrô, tarde da noite. Ninguém por perto. Por que não saltar a roleta e viajar sem pagar? É claro que o metrô não vai quebrar se você fizer isso. Os trens circulam com ou sem passageiros. Por que não saltar a roleta?
Há uma infinidade de situações como essas, em que o interesse individual se choca com o coletivo. No caso do carro em que você bateu, o seguro paga e repassa o custo para os prêmios que cobra. Não assumindo o prejuízo, você acaba penalizando gente que nada tem a ver com isso. O caso do metrô é idêntico: engrossando as estatísticas dos que não pagam, você contribui para o aumento das passagens dos que pagam.
Esse é um dilema freqüente nas organizações – na família, nas empresas, entre nações. Ele surge de um impulso com o qual todo mundo lida em inúmeras circunstâncias: a tendência de satisfazer o interesse individual agindo de uma forma que, se todos imitassem, seria catastrófica para todos.
Essas situações são tão recorrentes que há mais de 50 anos vêm merecendo a atenção dos cientistas. John Nash – o matemático interpretado por Russell Crowe no filme Uma Mente Brilhante – ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 1994 por ter ajudado a desvendar parte da dinâmica desses conflitos de interesse. Em seu trabalho, Nash lançou mão de um ramo da matemática chamado Teoria dos Jogos, criado na década de 40 por outro matemático, o húngaro naturalizado americano John Von Neumann.
O objetivo da Teoria dos Jogos é compreender a lógica dos processos de decisão e ajudar a responder o seguinte: o que é preciso para haver colaboração entre os jogadores? Em quais circunstâncias o mais racional é não colaborar? Que políticas devem ser adotadas para garantir a colaboração entre os jogadores?
O ponto de partida da Teoria dos Jogos – em sua missão de equacionar, por meio da matemática, os conflitos de interesse que acontecem a todo instante na sociedade – é constatar que, de modo geral, a tendência entre os jogadores é maximizar o ganho individual. Nem as sociedades mais civilizadas conseguiram resolver esse dilema entre o pessoal e o coletivo. É claro que se todos se comportassem de forma altruísta não haveria dilema algum. Não haveria jogo. Mas a vida real simplesmente não é assim.
Ao estudar por que não é assim, a Teoria dos Jogos despe-se de qualquer julgamento moral. Ao tentar entender os conflitos por meio da matemática não há espaço para conceitos como “bem” e “mal”. O foco são as estratégias utilizadas pelos jogadores. O porquê de determinadas ações. Não há “certo” ou “errado”. A Teoria dos Jogos não manda ninguém nem para o céu nem para o inferno. Ela apenas,digamos, decodifica a equação que compõe cada tomada de decisão, e tenta compreender a economia interna das situações.
TRAGÉDIA DOS COMUNS
Imagine, por exemplo, que você vai jantar com três amigos. Vocês combinam, com antecedência, rachar a conta. Nesse caso, você sabe que vai arcar com 25% da despesa. Como quer manter umarelação de confiança com seus amigos, você escolhe pratos que custem mais ou menos o mesmo que os que seus colegas pediram (se um “amigo” mais malandro resolve pedir lagosta, depois que todo mundo pediu pizza, ele será considerado não-confiável e perderá a condição de amigo). Ao final, portanto, cada um gasta mais ou menos o que gastaria se estivesse comendo sozinho.
Já no almoço de fim de ano do escritório – com umas 30 pessoas – você, que está meio duro, pensa em pedir um hambúrguer. Mas os primeiros a pedir escolhem camarões gratinados. Você sabe que vai pagar só 3% da conta, independente do que comer, e muda rapidinho seu pedido – vitela especial. O custo incremental para seus colegas será mínimo e você vai ter uma refeição melhor. Como todo mundo pensa assim, o grupo acaba por gastar muito mais do que teria gasto se cada um pagasse individualmente pelo que consumisse – o que teria acontecido se o grupo tivesse se dividido em várias mesas menores. Não é culpa de ninguém. As coisas simplesmente acontecem assim. O grupo explorou a si mesmo. A decisão racional de cada indivíduo levou a um resultado irracional para o grupo.
Situações desse tipo são chamadas de “tragédia dos comuns”. Jogos com exploração de recursos coletivos quase sempre conduzem à “tragédia dos comuns”, o que só pode ser evitado introduzindo regras para que os participantes sejam recompensados por agir de forma altruísta. Quer dizer, o altruísmo é “comprado” dos indivíduos que compõem o grupo.
Imagine vários fazendeiros dividindo o mesmo pasto para alimentar suas vacas. A tendência é que cada um deles tente colocar o maior número possível de cabeças de gado ali. Isso levará à destruição do pasto e à morte dos animais, mas a atitude predominante entre os jogadores, assim mesmo, é: “Se eu não o fizer, alguém fará”. A Teoria dos Jogos sugere que o modo de evitar essa “tragédia dos comuns” é dividir o pasto – que é um recurso coletivo – entre os fazendeiros, de modo que cada um deles tenhauma área definida para suas vacas. E não apenas colha os benefícios mas também arque com os custos da sua preservação. Essa é a razão pela qual as terras das fazendas são cercadas. Ou seja: a solução para esse jogo seria privatizar o pasto. Claro como a resposta a uma equação, concorda? Mares, rios, o ar que respiramos, as florestas. Tudo isso é recurso coletivo. Você já sabe o que acontece se não houver regras que impliquem em incentivo – ou punição, dá no mesmo – à sua preservação.
Foi precisamente esse o jogo que se deu no Brasil no episódio do racionamento de energia. Ameaçando com sobretaxas individuais e cortes de fornecimento, o governo transferiu para cada cidadão, individualmente, a responsabilidade por algo que, até então, era percebido como umaobrigação diluída entre todos. O governo, de certa forma, “cercou o pasto” da energia elétrica. Usou a solução clássica para a “tragédia dos comuns”. Com isso, deixou claro aos indivíduos que era do seu interesse pessoal colaborar com o grupo. Ao contrário do que muito repetiu, portanto, não houve nada de altruísta no modo como a população reagiu à crise. Estávamos todos cuidando dos próprios interesses. John Nash diria que governo e sociedade atigiram uma “estratégia de equilíbrio” – na qual os interesses deixam de ser conflitantes porque é vantajoso para todos cooperar.
O termo técnico inventado por John Von Neumann para essa “vantagem” é utilidade – muito utilizado depois por John Nash. Jogadores sempre escolhem obter certos resultados em detrimento de outros. Essas preferências são chamadas de utilidade. A utilidade que um jogador atribui a um certo resultado é o que determina a sua estratégia no jogo. Agir racionalmente, no contexto da Teoria dos Jogos, significa agir de modo a maximizar a utilidade.
O DILEMA DO PRISIONEIRO
Se a Teoria dos Jogos tem na base o interesse dos jogadores em maximizar o ganho pessoal, também é verdade que há nos jogos humanos algo que vai além desse puro auto-interesse. Tem de haver, ou a vida em sociedade seria impossível. Essa questão é muito bem captada por um jogo que se chama “o dilema do prisioneiro” – formulado e estudado na década de 1950 por matemáticos de Princeton, a mesma universidade de Einstein, Von Neumann e Nash. Funciona assim: dois criminosos praticam um crime juntos. São presos e interrogados separadamente. A polícia não tem provas contra eles e a única forma de condená-los é um delatar o outro. Cada prisioneiro tem uma escolha: calar ou acusar o companheiro. Se os dois ficarem quietos, ambos serão postos em liberdade. A polícia, querendo umasolução rápida para o caso, oferece alguns incentivos: o prisioneiro que denunciar o outro ganha a liberdade e ainda por cima leva um prêmio em dinheiro. O outro pegará prisão perpétua. Qual a escolha lógica?
Para investigar o “dilema do prisioneiro” mais a fundo, o cientista social Robert Axelrod, da Universidade de Michigan, Estados Unidos, promoveu, em 1980, um torneio em que os participantes apresentariam programas de computador representando os prisioneiros. Os vários programas seriam confrontados aos pares e cada um deles teria apenas duas opções – trair ou cooperar. Havia um detalhe, porém: em vez de jogar uma única vez, cada par de programas jogaria um contra o outro 200 vezes seguidas. Note que num “dilema do prisioneiro”, o melhor para cada jogador é trair enquanto o oponente coopera. O pior para cada jogador é ele cooperar enquanto o outro trai. Alguns dos programas participantes jogavam com estratégias muito complexas. Mas o vencedor, para surpresa geral, foi uma estratégia muito simples chamada tit for tat, que, em tradução livre, significa “olho por olho”. A estratégia tit for tat – ou TFT – era expressa em um programa de apenas quatro linhas. Sempre começava cooperando.
Para investigar o “dilema do prisioneiro” mais a fundo, o cientista social Robert Axelrod, da Universidade de Michigan, Estados Unidos, promoveu, em 1980, um torneio em que os participantes apresentariam programas de computador representando os prisioneiros. Os vários programas seriam confrontados aos pares e cada um deles teria apenas duas opções – trair ou cooperar. Havia um detalhe, porém: em vez de jogar uma única vez, cada par de programas jogaria um contra o outro 200 vezes seguidas. Note que num “dilema do prisioneiro”, o melhor para cada jogador é trair enquanto o oponente coopera. O pior para cada jogador é ele cooperar enquanto o outro trai. Alguns dos programas participantes jogavam com estratégias muito complexas. Mas o vencedor, para surpresa geral, foi uma estratégia muito simples chamada tit for tat, que, em tradução livre, significa “olho por olho”. A estratégia tit for tat – ou TFT – era expressa em um programa de apenas quatro linhas. Sempre começava cooperando.
Ambos começam a pensar. Se os dois se acusarem mutuamente, os dois serão condenados. O melhor a fazer é calar, pois ambos serão soltos. Mas o prisioneiro A sabe que B está pensando a mesma coisa. E sabendo que não pode confiar no colega, percebe que o menos arriscado é denunciar B. Sim, pois se esse calar, A estará livre. Se o outro igualmente o denunciar, bem, A teria de cumprir a pena de qualquer forma – pelo menos não ficará preso sozinho. Acontece que B pensa exatamente da mesma maneira. Resultado: ambos são levados, pela fria lógica, para o pior resultado possível: traição mútua e prisão dos dois."
(TRECHO RETIRADO DA REVISTA SUPER INTERESSANTE da matéria "Tudo está em jogo", edição de abril de 2002)
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